Tuesday, January 3

CXXX

O orgão bipartido

Se as folhas me tocassem,
seriam queimadas pela acidez
em que me encontro, a nitidez
dura da realidade e do mundo
que os meus sonhos esbatem...
Se o vento me estudasse,
encontraria um objecto interessante,
na medida que, estando eu inconstante,
na sombra da felicidade mutante,
à espera que alguém do chão me levante,
sem querer ser pisado como um insecto aberrante,
por pensar que algum dia, para ti,
possa vir a ser muito importante!
Asqueroso cheiro que do imundo emana,
a árvore sem aragem não abana,
mostrador de relógio que, parado,
emite informação como se estivesse
de acção mecânica animado!
Esconde a cara, na intenção
de fugires a um compromisso sério,
ao mesmo tempo que acho isso um despautério,
é verdade que eu a ti tanto te entendo,
mas não é menos verdade que, por ti,
eu até ao Diabo a alma vendo!
Esquece tudo o que ouviste,
cheiraste, tocaste, saboreaste, viste,
no fundo, esquece tudo o que sentiste,
porque eu não sou o que existiu,
mas o que, por ti, dia-a-dia, existe!
Estes versos saem exagerados
por serem os moluscos arrancados
da concha bipartida do coração,
que não fala mas implora,
que nunca te vás todo embora!

12/05/2003

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